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O cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa)

Numa manhã de março, estava eu a percorrer um pequeno troço do Sousa Inferior, quando me deparo com um cágado que aparentemente era diferente da espécie que habitualmente observava nas proximidades. Na altura fiquei tão entusiasmado, que a falta de uma teleobjetiva maior do que a que estava na câmara fotográfica, não foi problema. E eufórico, lá fiz uns cliques, acabando por recolher também algumas imagens em vídeo para mais tarde utilizar num documentário que tenciono editar brevemente.
Dias mais tarde contactei o biólogo Joel Neves (com quem colaboro há já algum tempo) e lancei o desafio de identificar aquela espécie de cágado. Surpreendentemente as minhas suspeitas confirmaram-se e aqui fica o texto referente à componente científica enviado pelo Joel Neves:

O cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) é uma das duas espécies nativas de cágados na nossa fauna. Segundo os dados fósseis, é uma espécie que habita o nosso planeta há aproximadamente 120 mil anos e que, atualmente, distribui-se ao longo da Península Ibérica, Sudoeste de França e Noroeste de África. Já em Portugal, esta distribui-se ampla e maioritariamente no interior do país e a Sul do Tejo, sendo que no litoral, do Mondego para cima, é escasso e apresenta populações pontuais e dispersas.
No entanto, o Paulo Ferreira observou e fotografou esta espécie algures nas margens do Sousa Inferior, sendo este um registo raro e interessantíssimo. Margens essas que são geralmente locais de postura, onde a fêmea de cágado-mediterrânico, pode colocar até 12 ovos num pequeno buraco. E é interessante, pelo facto de se contarem pelos dedos de uma mão, o número de registos oficiais desta espécie no Litoral Norte e por ser uma redescoberta no local, depois de 4 anos de ausência. E de extrema importância porque esta observação realça a necessidade e urgência da conservação deste réptil e dos corpos de água onde habitam, os quais se encontram altamente perturbados e ameaçados.
A necessidade de proteger esta espécie não advém do facto desta se encontrar em estatuto de conservação desfavorável, que não é o caso (possui o estatuto de “Pouco preocupante”), mas pela sua escassez no Sousa Inferior e pelas várias ameaças que aí enfrenta. Por si só, o isolamento desta possível população é um entrave à sua continuidade e ao seu futuro, uma vez que estão mais vulneráveis à extinção local já que indivíduos isolados têm maior dificuldade em se reproduzir e deixar descendência. Também a presença de espécies invasoras é um dos fatores limitantes à sua sobrevivência.
A presença assídua do cágado-da-Florida (Trachemys scripta) ameaça a continuidade deste cágado autóctone, uma vez que competem diretamente por espaço e recursos. Características morfológicas e fisiológicas como o facto de atingirem a maturação sexual muito mais cedo, uma maior taxa de fecundidade, a sua dieta mais generalista e de serem maiores e mais agressivos, facilitam a sua propagação e rápida predominância, sobrepondo-se às espécies autóctones e, consequentemente, levando ao seu declínio e até mesmo desaparecimento. Também o lagostim-vermelho-do-Louisiana é uma ameaça, já que estes se alimentam dos seus juvenis. Outros fatores de ameaça são a artificialização das margens, obras de engenharia que afetam a hidromorfologia das linhas de água, sobre-exploração de recursos hídricos, poluição e descargas de poluentes, bem como a pressão turística sobre zonas húmidas.
É por isso, necessário informar a população geral sobre a presença desta pequena tartaruga de água doce, que bem pode passar desprevenida, pois só dando a conhecer é possível chegar aos próximos passos: a sensibilização e a proteção. Mais uma vez, o Paulo Ferreira, a partir da sua lente dá-nos a conhecer mais uma espécie do nosso rico património natural e fazendo mais uma vez um papel importante naquilo que é a didática ambiental.