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Em busca dos pirilampos perdidos

Pirilampos

Era um dia, como todos os dias de verão. Ou se calhar, não.
O relógio marcava 21h30, o sol de cor quente desaparecia na linha do horizonte. Tinha comido qualquer coisa a correr e sem dar por isso, percorria um caminho que escurecia a cada passo, junto às margens do rio Sousa. Os meus olhos começavam a habituar-se à ausência de luz natural. E apesar de tropeçar aqui ou ali numa pedra ou numa raiz do caminho, não desviei o olhar de uma ou de outra luz que piscava ao meu redor. Eu seguia-as a cada passo. O caminho parecia um túnel feito de árvores e arbustos e os seus ramos faziam questão de me despentear. Parecia que estava a entrar num filme fantástico, numa outra realidade. Aos poucos, aquela pequena luz amarela que piscava ao meu redor, foi-se juntando a outras que piscavam ainda mais. O entusiasmo cresceu e o mundo fantástico dos pirilampos revelou-se. E por ali fiquei a observar aquele mundo. Quando dei por mim, estava a seguir aquelas pequenas luzes para todo o lado. Para a esquerda, para a direita, para cima e para baixo. Quase a perder o equilíbrio, pisquei os olhos mais uma vez e disse para mim que era chegada a hora de registar aquele momento. De acordar e de começar a trabalhar. A noite seria longa. As rãs fizeram questão de me acompanhar no processo de montagem do tripé e das definições da câmara fotográfica. Foi ao som delas que a noite se tornou ainda mais animada. Por lá passaram umas quantas pessoas que vinham ver o fenómeno e alguém me dizia: “Parece um filme do avatar”.

Citando Alberto Caeiro, eu atrevo-me a dizer:

O Mundo não se Fez para Pensarmos Nele

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…

Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…

Pirilampos
Pirilampos

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Hoje de manhã saí muito cedo

Garça-real (Ardea cinerea)

Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer…Não sabia por caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.Assim tem sido sempre a minha vida, e
assim quero que possa ser sempre —
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar.

Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”

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O tordo-ruivo (Turdus iliacus)

Tordo-ruivo

Paulo Ferreira (Fotografia e vídeo de natureza):

Lembro-me que o mês de março chegava e a chuva não dava tréguas. Estava ansioso por fotografar o tordo-ruivo, uma ave que supostamente havia sido avistada alguns dias antes no vale do Ferreira, mas o tempo não ajudava. Finalmente, depois de uma semana de chuva intensa, o sábado chegou e manhã bem cedo, coloquei-me a caminho da margem direita do rio Ferreira, já muito próximo da foz com o rio Sousa. Quando lá cheguei, por volta das 07h00, o frio fazia-se sentir e o caminho junto ao curso de água estava coberto de lama, em virtude do rio ter galgado as suas margens nos dias anteriores. Apesar disso, não me deixei desmotivar e rapidamente coloquei-me a caminho. Ao fim de 5 minutos de caminhada, as botas pesavam quase 5 kg cada uma, de tanta lama agarrada ás solas. Mas lá fui. A vontade de encontrar e fotografar esta ave, era mais forte do que tudo o resto. Por outro lado, a lama ajudava a que não fizesse tanto barulho e permitiu-me aproximar um pouco mais do local onde eu ouvia o seu canto, um característico chamamento metálico e decrescente. Munido de uma objetiva de 600mm, eu sentia-me capaz de fotografar aquela ave. Contudo não foi bem assim. Apesar de ter o equipamento necessário para o conseguir, a tarefa foi complicada pelo constante voo do ave. Os poucos exemplares que avistei não permaneciam muito tempo nos ramos das árvores mais altas e isso dificultava o meu trabalho. Quando ouvi ao longe o sino de uma igreja a anunciar as 10h00, tomei consciência de que a tarefa não estava a ser produtiva e decidido, embrenhei-me nos ramos de um salgueiro e tentei disfarçar-me ao máximo. E ali fiquei. Sentado na lama, procurei uma abertura por entre os ramos e rapidamente verifiquei que os tordos já não estavam tão ativos. Talvez porque não me viam? Talvez fosse. O certo é que lá fui conseguindo registar algumas fotografias como é o caso desta. Duas horas depois, regressava a casa, carregava o “peso” das fotografias, vinha mais “rico” e sentia-me realizado.

Joel Neves (Biólogo):

O tordo-ruivo (Turdus iliacus) é uma das quatro espécies vulgarmente denominadas de tordo da nossa avifauna, e um invernante relativamente comum, que pode passar facilmente despercebido a quem, principalmente, não conhece o seu característico chamamento metálico e decrescente. Visualmente, distingue-se dos demais tordos pelos flancos ruivos, bastante notório na base das asas durante o voo, por ostentar uma risca branca acima do olho (listra supraciliar) e base do bico amarela.
Os primeiros indivíduos começam a ser observados no nosso território em finais de Outubro estabelecendo-se por cá até meados de Março, aquando dão inicio à sua longa viagem de retorno para os seus locais de nidificação, desde a Islândia e Escandinávia até ao norte da Ásia. Em locais mais sossegados e longe da poluição sonora, é possível ouvir dezenas de indivíduos a emitir as suas características vocalizações enquanto efetuam as suas deslocações migratórias durante as noites mais frias de outono.
Um pouco como a maioria das aves migradoras que por cá passam o inverno, a população invernante desta espécie varia de número de efetivos consoante as condições e disponibilidade de alimento nos seus locais de nidificação e nos locais de invernada no centro da Europa. São aves gregárias, ou seja, formam bandos e associam-se frequentemente com outras espécies de tordos, como o tordo-comum (Turdus philomelos) ou a tordoveia (Turdus viscicvorus). Frequentam vários tipos de habitats florestais e agrícolas, onde possam procurar por invertebrados, frutos e bagas de inverno.
A partir de 2015, esta espécie passou a constar como “Quase ameaçada” quanto ao estatuto de conservação na Europa, devido ao seu decréscimo populacional desde a década de 80, uma vez que se estima estar a diminuir em 30% a cada três gerações (15 anos). Pensa-se que as alterações climáticas sejam uma das razões que levam a este declínio, já que a espécie tem vindo a perder locais de nidificação, passando a ser o seu limite de distribuição cada vez mais a norte. Também a perda de vegetação arbustiva densa, que a espécie depende, particularmente, nos seus locais de reprodução, para a conversação em pastoreio é um fator acrescentado que leva a esta tendência, assim como a caça na região mediterrânica e que é particularmente notória em Portugal.

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Quando as pedras deste moinho se tornaram o pão de cada dia

Star Trail Moinho de Jancido

Algures no passado, quando as pedras deste moinho se tornaram o pão de cada dia, certamente não havia a noção de que lá bem no alto, por detrás dele, existia uma estrela de nome “Polar”. Compreende-se. Não havia tempo para um olhar mais minucioso e curioso. Vivia-se, simples e calmamente ao ritmo de uma mó, cuja água alimentava o seu movimento. E isso era muito bom. Até que, anos mais tarde, ali cheguei. As vidas calmas já tinham partido, mas nem por isso fiquei desmotivado. A vida é mesmo assim. Agora partilho convosco esta fotografia, que já andava a planear há algum tempo.

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O Guarda-rios (Alcedo atthis)

Guarda-rios (Alcedo atthis)

Paulo Ferreira (Fotografia e vídeo de natureza):
Fazer uma fotografia como esta é muito fácil.
Se não, vejamos:
Carrega-se equipamento fotográfico bastante pesado durante alguns minutos (para nos afastarmos do ruído humano), espeta-se um pau na margem de um rio, procura-se um lugar escondido para que não sejamos descobertos, enquadra-se e foca-se o hipotético poleiro, ajusta-se os parâmetros da câmara fotográfica e acredita-se intensamente que a ave pousará ali mesmo.
Uns segundos depois, não é que a ave pousou? É muito fácil… ou talvez não!

Joel Neves (Biólogo):
Uma das mais belas aves da nossa avifauna, o guarda-rios (Alcedo atthis), detentor de uma coloração laranja na zona ventral contrastante com um azul metálico nas partes superiores, pode ser frequentemente visto com o seu voo rasante sobre um corpo de água fazendo lembrar um verdadeiro relâmpago azul. É uma espécie residente que habita vários tipos de zonas húmidas como rios, ribeiros, estuários, lagos e açudes, sendo mais abundante no litoral do país. Nidificam em túneis construídos por ambos os progenitores nas margens lamacentas de rios ou em barrancos declivosos nas proximidades de um corpo de água.
Nesta foto podemos observar um comportamento muito característico desta espécie. Pousado num pequeno poste ou ramo, observa e espera pacientemente pelas suas presas, tais como peixes de água doce, pequenos crustáceos, insetos aquáticos e até mesmo girinos, até que seja o momento certo para lançar um ataque direto em forma de mergulho, usando o seu longo bico em forma de arpão. Dotados de uma excelente visão, possuem ainda mais uma adaptação que permite utilizar está técnica. Vértebras cervicais que possibilitam, não só, a rotação da cabeça em 360º, como também a total estabilização da cabeça quando pousados em locais móveis (ex.: ramos de árvores), permitindo uma maior eficiência na detetabilidade das suas presas subaquáticas.
Esta ave, embora não se encontre sobre qualquer estatuto desfavorável de conservação, tem como principais ameaças à sua ocorrência as alterações nas margens das linhas de água, poluição da água e perturbação humana sobre as suas áreas de reprodução.

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Os amigos e a nebulosa de Orion

Orion Nebula

Dedico esta imagem a dois amigos. Paula Branco e Norberto Calaia. Conheci este casal há para aí uns 6 anos. Proprietários de um espaço lindíssimo, a Goldnature, convidaram-me a apresentar uma proposta para fotografias de grandes dimensões, nos vários espaços do seu alojamento, sito em S. Miguel – Gondomar. Na altura aceitei, mesmo em dia de muita chuva e depois de uma longa conversa telefónica num domingo à tarde. Desde essa data que frequento aquele espaço. Umas vezes convidam eles, outras faço-me de convidado… é gente boa e não leva a mal… Gente de outra coragem e força de vontade. Gente criada no milénio passado e que sabe valorizar a vida e enfrenta as dificuldades, mesmo que as pedras surjam no caminho, ou desconheçam esse mesmo caminho.
No passado mês de janeiro, surgiu a ideia de realizar umas fotografias à nebulosa de Oríon e como o espaço era propicio (pouca luz artificial ao redor), questionei-os se poderia ir lá fazer umas “sequências para um stacking”. Não sabiam bem o que era, logo percebi. Fui dizendo que aquilo era montar um sistema e que depois as fotografias sairiam sozinhas da câmara. Acreditaram e logo se prontificaram a convidar-me para um jantar. Comes aqui qualquer coisa, diziam eles… E lá aceitei. Não pela comida, mas pelo facto de estar num local seguro e escuro. Esta última parte, não é bem verdade… confesso. Na realidade foi pelo facto de poder conviver um pouco com eles. Conversar. Acho que começo a gostar de regressar às tertúlias de outros tempos. Essa coisa que foi substituída pelas atuais redes sociais.
E lá montei o sistema que iria fazer o trabalho fotográfico, debaixo de um frio extremo. O que é certo é que nem me deram 5 minutos para testar o mesmo. Sim, porque não confio nos sistemas. Gosto de controlar os sistemas. Anda para dentro, diziam eles. Está muito frio! E fiz-lhes a vontade. Confesso que a noite foi longa. Não por causa da comida ou da conversa, mas por causa do tempo que o sistema demorava a recolher 250 fotografias à nebulosa de Oríon. Talvez esta última razão não seja verdade… Talvez.
O que é certo é que debaixo de um frio extremo, rodeado de amigos que ajudam a aquecer a noite, o trabalho fica mais fácil. E o resultado está aqui. Obrigado, Paula Branco e Norberto Calaia.
A vida resume-se a estes momentos. O que mais queremos? A nebulosa de Oríon? É muito fácil, quando estamos com as pessoas certas, no local certo.
Venham outras nebulosas.

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Nebulosa de Orion a 1800 anos luz do sistema solar

Nebulosa de Orion

O universo sempre me fascinou. Desde muito novo que devoro livros de Carl Sagan. Broca’s Brain, Bilhões e Bilhões, The Dragons of Eden, Cosmos e Pálido Ponto Azul, são alguns exemplos. Recentemente descobri que há um novo mundo para lá da Estratosfera. Uma nova dimensão que me tem proporcionado novas experiências ao nível da fotografia de astronomia.

A imagem em cima é da nebulosa de Orion, a cerca de 1800 anos luz do sistema solar.

A noite fria do dia 27 de janeiro de 2023, não impediu que me deslocasse à zona dos Moinhos de Jancido, na companhia do António Gonçalves (um dos rapazes de Jancido) e que fez questão de fazer com que a noite não fosse tão gélida.

A imagem em cima foi conseguida, utilizando uma câmara fotográfica e uma objetiva de 600mm, montadas num sistema “star tracking”. Seguramente uma fotografia do espaço profundo, de muitas que virão.

Em baixo, uma imagem que documenta uma parte das 3 horas que estive no local.

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O Cometa que passará pela Terra a uma distância de 42 milhões de km

O Cometa que passará pela Terra a uma distância de 42 milhões de km.

Cometa

Ontem à noite, dia 27 de janeiro de 2023, pelas 23H45, registei esta imagem do Cometa que está a cruzar o céu e que regressa após 50.000 anos.

Trata-se do “C/2022 E3 (ZTF)” e pode ser visto à noite, com equipamento próprio, desde que o céu esteja claro, não haja poluição luminosa e o brilho da Lua não incomode. Por acaso não foi o caso de ontem. A Lua estava presente e havia muita humidade no local (Moinhos de Jancido).

No entanto não desperdicei a oportunidade de registar a minha primeira imagem deste Cometa. E aguardo com ansiedade o final de janeiro, pois estará mais próximo da Terra, sendo mais fácil de fotografar.

Contrariamente ao que está a ser dito na comunicação social, este Cometa ainda não é visivel a olho nu e só com recurso a técnicas de fotografia conjugadas com sistemas de “tracking” é que se pode almejar uma imagem com alguma clareza.

Nesta fotografia é visivel a luz verde que caracteriza este Cometa e o seu núcleo gelado que é libertado quando se aproxima do Sol.

O cometa atingiu seu periélio em 12 de janeiro de 2023, a uma distância de 1,11 UA (166 milhões de km) e a aproximação mais próxima da Terra será no dia 1 de fevereiro de 2023, a uma distância de 0,28 UA (42 milhões de km).

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Fotografia de Natureza no Parque Nacional da Peneda-Gerês

Parque Nacional da Peneda-Gerês

O dia 14 de janeiro de 2023, nasceu cinzento. Contudo não foi motivo para cancelar a caminhada de montanha que havia planeado uns dias antes. O trilho que liga Fafião a Porto da Laje, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, seria o caminho que iria percorrer. Em busca de cenários naturais e agrestes, fiz-me ao caminho. O vale estava coberto por um manto de neblina que não deixava ver quase nada. Aqui ou ali, surgia um aberta e era o momento certo para procurar um enquadramento interessante. Foi assim toda a manhã. E não choveu. O mesmo já não posso dizer do período da tarde.

Chegado ao final do trilho, houve tempo para descansar um pouco, registar algumas fotografias, recarregar energias e regressar. E foi aí que a chuva começou a cair com mais intensidade. O cansaço era tanto, que uma simples gota de chuva, quando pousava na minha face, parecia pesar um quilograma. Cabisbaixo e fugindo da chuva, a saltar de pedra em pedra, reparei num tronco velho, envolto por umas raízes, também elas com aspeto envelhecido. Logo ali imaginei que seria um pedaço de madeira interessante para trazer comigo no regresso. Faltavam 7 Km mas iria colocar à prova, todas as minhas forças. Não vacilei. Mochila às costas, não havia muito espaço para este tronco que media cerca de 1 metro. Contudo tinha dois braços disponíveis que me iriam ajudar a carregar aquele objeto que ainda não era arte, mas sê-lo-ia seguramente. Mesmo que para isso não estivessem disponíveis para carregar a camara fotográfica, quando houvesse necessidade. E assim foi. Uma manhã de fotografias que irei recordar para sempre e uma tarde a carregar um objeto que para a maioria do comum dos mortais, não passa de um tronco velho.

A vida é mesmo assim. Não há que complicar. Basta viver e não pensar muito. Aqui ficam algumas fotografias.

Quanto ao tronco velho, um dia destes irei apresentá-lo.


Parque Nacional da Peneda-Gerês

Parque Nacional da Peneda-Gerês
Parque Nacional da Peneda-Gerês

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