O tordo-ruivo (Turdus iliacus)
Paulo Ferreira (Fotografia e vídeo de natureza):
Lembro-me que o mês de março chegava e a chuva não dava tréguas. Estava ansioso por fotografar o tordo-ruivo, uma ave que supostamente havia sido avistada alguns dias antes no vale do Ferreira, mas o tempo não ajudava. Finalmente, depois de uma semana de chuva intensa, o sábado chegou e manhã bem cedo, coloquei-me a caminho da margem direita do rio Ferreira, já muito próximo da foz com o rio Sousa. Quando lá cheguei, por volta das 07h00, o frio fazia-se sentir e o caminho junto ao curso de água estava coberto de lama, em virtude do rio ter galgado as suas margens nos dias anteriores. Apesar disso, não me deixei desmotivar e rapidamente coloquei-me a caminho. Ao fim de 5 minutos de caminhada, as botas pesavam quase 5 kg cada uma, de tanta lama agarrada ás solas. Mas lá fui. A vontade de encontrar e fotografar esta ave, era mais forte do que tudo o resto. Por outro lado, a lama ajudava a que não fizesse tanto barulho e permitiu-me aproximar um pouco mais do local onde eu ouvia o seu canto, um característico chamamento metálico e decrescente. Munido de uma objetiva de 600mm, eu sentia-me capaz de fotografar aquela ave. Contudo não foi bem assim. Apesar de ter o equipamento necessário para o conseguir, a tarefa foi complicada pelo constante voo do ave. Os poucos exemplares que avistei não permaneciam muito tempo nos ramos das árvores mais altas e isso dificultava o meu trabalho. Quando ouvi ao longe o sino de uma igreja a anunciar as 10h00, tomei consciência de que a tarefa não estava a ser produtiva e decidido, embrenhei-me nos ramos de um salgueiro e tentei disfarçar-me ao máximo. E ali fiquei. Sentado na lama, procurei uma abertura por entre os ramos e rapidamente verifiquei que os tordos já não estavam tão ativos. Talvez porque não me viam? Talvez fosse. O certo é que lá fui conseguindo registar algumas fotografias como é o caso desta. Duas horas depois, regressava a casa, carregava o “peso” das fotografias, vinha mais “rico” e sentia-me realizado.
Joel Neves (Biólogo):
O tordo-ruivo (Turdus iliacus) é uma das quatro espécies vulgarmente denominadas de tordo da nossa avifauna, e um invernante relativamente comum, que pode passar facilmente despercebido a quem, principalmente, não conhece o seu característico chamamento metálico e decrescente. Visualmente, distingue-se dos demais tordos pelos flancos ruivos, bastante notório na base das asas durante o voo, por ostentar uma risca branca acima do olho (listra supraciliar) e base do bico amarela.
Os primeiros indivíduos começam a ser observados no nosso território em finais de Outubro estabelecendo-se por cá até meados de Março, aquando dão inicio à sua longa viagem de retorno para os seus locais de nidificação, desde a Islândia e Escandinávia até ao norte da Ásia. Em locais mais sossegados e longe da poluição sonora, é possível ouvir dezenas de indivíduos a emitir as suas características vocalizações enquanto efetuam as suas deslocações migratórias durante as noites mais frias de outono.
Um pouco como a maioria das aves migradoras que por cá passam o inverno, a população invernante desta espécie varia de número de efetivos consoante as condições e disponibilidade de alimento nos seus locais de nidificação e nos locais de invernada no centro da Europa. São aves gregárias, ou seja, formam bandos e associam-se frequentemente com outras espécies de tordos, como o tordo-comum (Turdus philomelos) ou a tordoveia (Turdus viscicvorus). Frequentam vários tipos de habitats florestais e agrícolas, onde possam procurar por invertebrados, frutos e bagas de inverno.
A partir de 2015, esta espécie passou a constar como “Quase ameaçada” quanto ao estatuto de conservação na Europa, devido ao seu decréscimo populacional desde a década de 80, uma vez que se estima estar a diminuir em 30% a cada três gerações (15 anos). Pensa-se que as alterações climáticas sejam uma das razões que levam a este declínio, já que a espécie tem vindo a perder locais de nidificação, passando a ser o seu limite de distribuição cada vez mais a norte. Também a perda de vegetação arbustiva densa, que a espécie depende, particularmente, nos seus locais de reprodução, para a conversação em pastoreio é um fator acrescentado que leva a esta tendência, assim como a caça na região mediterrânica e que é particularmente notória em Portugal.